Pedro
Demo é dos mais respeitados nomes do pensamento brasileiro. Cursou Filosofia e
é Doutor em Sociologia a pela Universidade
de Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela Universidade da California. É
professor titular aposentado e professor emérito do Departamento de Sociologia
da Universidade de Brasília (UnB). Com mais de 80 livros publicados, Pedro Demo
desenvolveu o interesse pela causa dos professores básicos desde o final dos
anos 1980, por entender que, em parte pelo menos, a cidadania popular depende
da qualidade de sua atuação e formação.Assim, aproximou-se da sociologia da
educação, área em que pesquisa e publica até hoje intensamente, sempre
destacando o vínculo estreito entre educação e combate à pobreza política.
“Este tipo de atividade teórica e prática tem como razão maior de ser aprimorar
a educação básica, em especial a escola pública, por ser esta uma das arenas
mais sensíveis da qualificação da democracia. Inspira-se na tese de que aluno
aprende bem com professor que aprende bem. É imprescindível que o professor
tenha oportunidade de estudar, pesquisar, elaborar, tornando-se autor, sem
falar no desafio de dar conta das novas tecnologias e novas alfabetizações”,
afirma. Confira a seguir algumas das ideias de Pedro Demo a respeito da
educação.
DireciCIONAL EDUCADOR – O senhor fala
em uma educação reconstrutiva e não instrucionista simplesmente. Pode definir
melhor o termo e explicar sua relação com o construtivismo?
PEDRO DEMO - Como não adoto nenhuma teoria
especificamente (uso todas reconstrutiva e criticamente), chamo de aprendizagem
reconstrutiva aquela que cultiva a habilidade de construir conhecimento com
autoria e autonomia. Instrucionismo é o contrário: reprodução copiada de
conhecimento através de aulas copiadas feitas para serem copiadas, em geral com
base em apostilas.
As escolas, especialmente as particulares, utilizam como
ferramenta de marketing e de divulgação seu método de ensino, construtivista ou
outro. Que importância o senhor dá ao método adotado pela escola?
Método oficial não
pode existir, porque, sendo aprendizagem fenômeno de extrema complexidade, não
se faz por “um” método. É bem melhor apostar na competência do professor de
elaborar sua proposta (em certo sentido, seu método) e continuar sempre
testando e retestando, reconstruindo, dentro da expectativa da aprendizagem
permanente docente. Sacralizar método é sugerir que professor é apenas
marionete, como ocorre facilmente nas apostilas. Existem muitas querelas
inócuas e inúteis a respeito. Muitos “construtivistas” não sabem do que se
trata. Outros que se agarram ao “método fonético” repõem o instrucionismo. É
importante que cada professor pesquise e elabore sua proposta, tendo como
critério fatal a aprendizagem do aluno: se o aluno não aprender bem, o método
não adianta nada.
E em relação ao uso de material didático, livro ou sistema de
ensino apostilado, qual sua opinião? Como deve ser a relação do professor com o
material utilizado?
Entendo que apostila
é a canonização de conhecimento estabilizado, esperando-se que o professor a
reproduza. Primeiro, assume- se que professor é tão desvalido que precisa de
script pronto e imutável. Segundo, sugere-se que conhecimento é pacote pronto,
ignorando-se que é dinâmica desconstrutiva e reconstrutiva, em ebulição
permanente. Terceiro, ignora-se que conhecimento precisa ser feito e desfeito,
permanecendo sempre aberto, como ocorre na wikipedia e suas “novas
epistemologias”.
O senhor defende a pesquisa associada ao ensino. A pesquisa deve
ser estimulada pelos professores até mesmo entre as crianças pequenas (Educação
Infantil e Ensino Fundamental 1)?
Defendo pesquisa
associada à “educação”, não “ensino”. O espírito da pesquisa começa ao nascer,
com a curiosidade da criança, a necessidade de confrontar-se com a realidade,
com o desafio de ordenar mentalmente (esquemas de Piaget) o mundo em que se
vive. Ressalta-se, nestas fases iniciais, o lado mais pedagógico da pesquisa,
tendo em vista aprimorar a capacidade de argumentar (não o argumento de
autoridade, mas a autoridade do argumento), de elaborar textos próprios, de
cultivar autoria e autonomia.
A pesquisa deve acontecer no cotidiano da escola e também fora da
escola, em atividades do tipo lição de casa? Qual sua opinião sobre a
obrigatoriedade da lição de casa?
A pesquisa deve
ocorrer dentro e fora. A lição de casa continua importante, se for tarefa de
pesquisa, não de reprodução instrucionista. É importante que, em casa, o aluno
continue “antenado”, com apoio da família. Bom ambiente de estudo em casa tem
grande in- ‑uência na qualidade da aprendizagem. Acresce a isso a argumentação
em torno da “educação científica” (em todo mundo): preparar a criança para dar
conta das habilidades do século XXI, em especial construir conhecimento
próprio, individual e coletivamente.
A brincadeira pode ser considerada uma forma de pesquisa do mundo
para os pequenos?
Pode ser, sob
orientação do professor. Nem toda brincadeira, mas aquela orientada pelos
desafios de autoria e autonomia frente ao conhecimento. O mundo lúdico é
essencial para o desenvolvimento da criança e não poderia simplesmente
desaparecer na escola. Ao contrário – como mostram os ‘bons’ jogos eletrônicos,
motivação é fundamental.
Os cursos de Pedagogia incluem formação para o professor neste sentido,
de estimular a pesquisa em seus alunos, nas mais diversas faixas etárias?
Os cursos de
Pedagogia, com raras exceções, são péssimos. Não produzem profissionais que
saibam realmente alfabetizar, “ler” os desenhos infantis, pesquisar e elaborar.
Os professores não têm “culpa” – são apenas vítimas de um sistema
encardidamenteinstrucionista. Esta crítica não elide o reconhecimento de que
Pedagogia é o curso mais estratégico da universidade, porque define o que é
aprender.
Há uma queixa dos professores da educação básica de que os
teóricos estudam a educação sem pisar no chão da sala de aula, que desconhecem
a prática e por isso não têm condições de teorizar. O que pensa dessa questão?
Em parte é verdade.
Mas isto não cabe, por exemplo, com Piaget e Vygotsky, só para citar dois
importantes. No Brasil há muitos “teóricos” – que por isso não são “teóricos”
no sentido adequado – que não enfrentam na prática os problemas que teorizam:
não trabalham aprendizagem concretamente, não lidam com professores e seus problemas
mais variados (em especial má formação e maus salários), não montam cursos e
outros expedientes de formação continuada, não avaliam e promovem procedimentos
de acompanhamento de aluno por aluno, não ensaiam experiências de “um
computador por aluno”, etc.
“Currículo não é grade, é oportunidade flexível e aberta.” Essa
frase é do texto Currículo, publicado em seu blog. O senhor acredita que os
Parâmetros Curriculares Nacionais, ao proporem temas transversais, concordam
com sua ideia de que devemos mudar o currículo tradicional para um currículo
aberto?
Os Parâmetros
Curriculares representaram um esforço meritório, tanto em termos de ‑exibilização,
quanto em termos de atualização na discussão curricular. A questão maior,
porém, não está no currículo como tal (em geral atrasadíssimo, uma autêntica
“grade” prisional, como diria Foucault), mas no desafio de o professor saber
lidar com a proposta curricular. Professor mal preparado copia e reproduz
currículo; professor bem preparado reconstrói o currículo, porque isto
corresponde à dinâmica do conhecimento.
O senhor acredita na escola em tempo integral como uma solução
para os problemas da educação brasileira?
Acredito muito,
também porque trabalhei esta ideia com Darcy Ribeiro por longos anos. Erramos e
acertamos. Hoje, entendo que o móvel principal da Escola de Tempo Integral são
os professores – uma escola diferente só se faz com professor diferente. Grande
maioria dessas escolas, atualmente, apenas alonga o tempo de aula – uma
inutilidade homérica. Quando consigo unir nesses experimentos, proponho uma
preparação de um semestre para os professores, antes de a escola funcionar. Ao
mesmo tempo, sugiro suprimir a “aula instrucionista”, e colocar em seu lugar
“tempo de estudo” (de hora e meia), meticulosamente construído pelo professor,
quatro por dia, marcado por pesquisa e elaboração, tendo como resultado, a cada
tempo, texto dos alunos. Tais textos serão, ademais, referência crucial da
avaliação.
Que importância tem a tecnologia hoje na escola, ou deveria ter?
Fatal! Todos os
alunos precisam disso no futuro próximo. Tecnologia não é mais apenas meio. É
também “alfabetização” e plataforma de interação/comunicação. Não segue daí
determinismo tecnológico – pode-se aprender bem sem tecnologias. Mas o mundo de
hoje é visceralmente tecnológico – sem habilidades tecnológicas não é possível
dar conta dele. A escola, em geral, continua no mundo da lua! A Pedagogia
precisa abraçar esta causa, também para mostrar como se lida com ela
“criticamente”.
O senhor viu avanços nas ações propostas pelo governo federal
através do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), em 2007?
Muito pouco avanço,
porque não se toma a sério a questão docente. Ainda se acredita que melhorar a
escola é aumentar o tempo de aula. As remunerações foram melhoradas, mas
infimamente (salário de mil reais por uma semana de 40 horas é um acinte). As
universidades continuam produzindo a mesma Pedagogia e as mesmas licenciaturas,
todas medievais. A qualidade da aprendizagem depende (não só) sumamente da qualidade
docente e esta percepção ainda não chegou à prática escolar.
Para encerrar, em sua opinião qual a grande questão hoje na
educação brasileira?
O grande desafio é a
valorização docente. Toda mudança escolar é, no fundo, mudança docente.
Professor é profissional estratégico desta quadra histórica. Sua qualidade
molda a qualidade que esperamos desses tempos. Por isso a escola continua
importante, por mais que se multipliquem ambientes não formais fora da escola
(em geral por conta das novas tecnologias). Mas o desafio maior é cuidar dos
professores.
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